segunda-feira, 21 de dezembro de 2009




Queria ter-te
Queria ser teu.
Queria ser eu
Queria tirar-te de mim.

Queria ouvi-la dizer
Que a saudade é verdadeira e pura
Queria iluminá-la
Com a luz desses olhos tristes
No silêncio desta casa triste.

Servo até o fim
Deste acervo de totalidade.
Sigo a sua ausência
Sou fiel a tua fria indiferença.

Queria querer ser isso mesmo
De um modo tão cruel e submisso
Insistir para que teu gosto e cheiro em mim fosse um bem
E não mais serpentear a tua procura.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009



O CACHIMBO DA PAZ, IMITANDO LONGFELLOW

I

E Gitchi Manitou, o Grão-Mestre da Vida,
O Poderoso, veio à planície florida,
Ao prado imenso rente ao cerro montanhoso,
E ali, sobre as escarpas da Rubra Pedreira,
O espaço dominado e ardendo à luz primeira,
Eis que se ergueu, onipotente e vigoroso.

E convocou então os povos incontáveis,
Mais do que as ervas e as areias infindáveis.
Com sua mão tremenda uma laca arrancou
À rocha, e fez com ela um cachimbo disforme;
Depois, junto ao regato, num bambual enorme,
Para servir de tubo, um caniço apanhou.

Para enchê-lo tomou um bálsamo oloroso;
E, criador da Energia, o Todo-Poderoso,
De pé. Eis que acendeu, qual divino fanal,
O Cachimbo da Paz. De pé sobre a Pedreira,
Fumou, soberbo e ereto, ardendo à luz primeira.
E para as tribos esse era o grande sinal.

E em círculos subia a fumaça sagrada
No ar doce da manhã, sensual e perfumada.
E agora o que se via era um sombrio véu;
Logo o vapor se fez mais azulado e intenso,
Depois branqueou, sempre engrossando no ar suspenso,
Para extinguir-se aos pés da abóbada do céu.

Dos distantes confins das montanhas Rochosas,
Desde os lagos do Norte às ondas impetuosas,
De Tawasentha, a várzea amena e sem igual,
A Tuscaloosa, erma floresta trescalante,
Avisou-se o sinal e a fumaça ondulante
Lentamente a subir no incêndio matinal.

Os Profetas diziam: "Vedes essa estria
De vapores, que, igual ao braço que chefia,
Oscila e se recorta em negro no ar vermelho?
É Gitchi Manitou, o Grão-Mestre da Vida,
Que proclama por toda a planície florida:
Guerreiros meus, eu vos convoco ao real conselho!"

Pelas sendas do rio ou pelo ermo poeirento,
Pelas quatro vertentes de onde sopra o vento,
Vós, fiéis guerreiros, vós das tribos em porfia,
Entendendo o sinal da nuvem caminheira,
Viestes dóceis até junto à Rubra Pedreira
Onde sempre Gitchi Manitou vos ouvia.

Os guerreiros de pé se erguiam na paisagem,
Armas na mão, a face impávida e selvagem,
Matizados tal como uma folha outonal;
O ódio que à luta impele a todos os mortais,
O ódio que ardia nos olhares ancestrais
No olhar lhes acendia uma lama fatal.

Em seus olhos brilhava a maldição da guerra.
E Gitchi Manitou, o Grão-Mestre da Terra,
Tinha por eles uma infinda compaixão,
Como um pai extremoso, indisposto às disputas,
Que vê seus filhos a morder-se em árduas lutas.
Tal Gitchi Manitou por toda uma nação.

E ergueu sobre eles sua forte mão direita
Para dobrar-lhes a alma e a natureza estreita,
Para esfriar-lhe a febre à sombra dessa mão;
Depois lhes disse, a voz solene e majestosa,
Comparável à voz de uma água tormentosa,
Que tomba e ecoa mais hedionda que um trovão:

II

"Minha posteridade, odiosa mais querida!
Ó filhos meus, ouvi a divina razão!
É Gitchi Manitou, o Grão-Mestre da Vida,
Quem vos fala! O que em vossa planície florida
Pôs a rena, o castor, a raposa e o bisão.

Eu vos tornei a caça e a pesca generosas;
Por que se fez então o caçador tão vil?
De pássaros povoei as várzeas mais lodosas;
Por que não sois felizes, crianças belicosas?
Por que ao vizinho o homem dá caça e faz-se hostil?

Bem longe estou de vossa arena de inimigos.
Promessas e orações de vós não ouço mais!
Domina vosso gênio o amor pelos perigos,
E vossa força está na união. Quais bons amigos
Vivei, pois, e aprendei a vos manter em paz.

Um Profeta virá de minha mão em breve
Para vos dar conforto e convosco sofrer,
E seu verbo fará a existência mais leve;
Mas se a menosprezá-lo algum de vós se atreve,
Tereis então, filhos malditos, que morrer!

Às ondas apagai a cor dos ódios vãos.
O caniço é abundante e a rocha não se esfaz;
Cada um pode entalhar o seu cachimbo. Às mãos
Limpai o sangue! Agora vivei como irmãos,
E unidos, pois, fumais o Cachimbo da Paz!"

III

E eles então, depondo as armas sobre a terra,
Lavam nas águas as brutais cores da guerra
Que às frontes lhes ardiam triunfantes e cruéis.
Cada um faz seu cachimbo e às margens do regato
Colhe um longo caniço e dá-lhe o corte exato.
E o Espírito sorria ante os seus filhos fiéis.

Todos se foram, a alma quieta e enternecida,
E Gitchi Manitou, o Grão-Mestre da Vida,
Uma vez mais galgou a escada celestial.
- Através do vapor que em nuvens se desdobra
Ergueu-se o Poderoso, ébrio de sua obra,
Sublime, perfumado, infinito, triunfal!

(Charles Baudelaire)